REFLEXÕES SOBRE A CARTA DE CAMINHA

on quarta-feira, 10 de março de 2021

 

O celibatário Infante Dom Henrique, filho do rei de Portugal Dom Manoel o venturoso foi o criador da Escola Marítima de Sagres. O principal centro científico das grandes navegações foi sem sombra de dúvidas a Escola de Sagres. Criação de instrumentos náuticos como o astrolábio, a vela latina fabricada com o cânhamo da canabis sativa (devido a maresia, a antiga vela fabricada com linho se rasgava constantemente e esta nova vela com cânhamo era praticamente uma lona) e outras invenções náuticas saíram da Escola de Sagres. O Infante era um gênio e subornava os grandes pilotos da época como Pinzon, Colombo, Américo Vespúcio, dentre outros, para ter informações privilegiadas (informação é poder). O Infante sabia que havia terras ao sul do Equador e a prova principal vem do tratado de Tordesilhas. No primeiro tratado, onde o Vaticano dividiu as terras a serem descobertas entre os reinos católicos de Portugal e Espanha, dizia que partindo de Cabo Verde em linha reta para o sul, as terras à direita seriam da Espanha e da esquerda de Portugal. Se isto fosse mantido, esta linha cortava o Oceano Atlântico e Portugal não teria direito a nada. Como sabia da existência de terras virgens, o Infante só permitiu que seu pai assinasse o tratado com a seguinte escrita: “partindo do Cabo Verde e 370 léguas a Oeste temos um ponto e deste ponto uma linha reta para o sul.” Neste caso a linha passava onde hoje é Fortaleza e seguia para o sul. No mapa das Capitanias Hereditárias é visível esta reta. Na carta de Pero Vaz de Caminha ele escreve como se já soubesse da rota e do entrosamento de paz entre o português e os índios. Nosso Brasil foi “descoberto” dentro do espírito de cordialidade, daí talvez o nosso DNA que sempre soube receber com carinho os estrangeiros.

Escreve Caminha o primeiro encontro:

E o Capitão-mor mandou em terra no batel a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou de ir para lá, acudiram pela praia homens, quando aos dois, quando aos três, de maneira que, ao chegar o batel à boca do rio, já ali havia dezoito ou vinte homens.

Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram.

Ali não pôde deles haver fala, nem entendimento de proveito, por o mar quebrar na costa. Somente deu-lhes um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça e um sombreiro preto. Um deles deu-lhe um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas como de papagaio; e outro deu-lhe um ramal grande de continhas brancas, miúdas, que querem parecer de aljaveira, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza, e com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar.

 

Ou seja, no primeiro encontro foi de troca de presentes e cordialidade. Continua Caminha escrevendo o convite feito por Cabral e aceito por alguns índios para irem jantar a bordo:

 

Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel e figos passados. Não quiseram comer quase nada daquilo; e, se alguma coisa provaram, logo a lançaram fora.

Trouxeram-lhes vinho numa taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram nada, nem quiseram mais.

Trouxeram-lhes a água em uma albarrada. Não beberam. Mal a tomaram na boca, que lavaram, e logo a lançaram fora.

 

Caminha escrevendo sobre os índios:

 

Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos, compridos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha.

 

Os cascavéis que Caminha escreve são pequenos chocalhos.

Outro detalhe: a principal alimentação dos índios já era o nosso inhame.

Escreve Pero Vaz:

 

Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem qualquer outra alimária, que costumada seja ao viver dos homens. Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa semente e frutos, que a terra e as árvores de si lançam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios, que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos.

 

O entrosamento foi perfeito, escreve Caminha:

 

Estavam na praia, quando chegamos, obra de sessenta ou setenta sem arcos e sem nada. Tanto que chegamos, vieram logo para nós, sem se esquivarem. Depois acudiram muitos, que seriam bem duzentos, todos sem arcos; e misturaram-se todos tanto conosco que alguns nos ajudavam a acarretar lenha e a meter nos batéis. E lutavam com os nossos e tomavam muito prazer.

 

Quando o Frei Henrique de Coimbra celebrou a primeira missa os índios acompanharam a celebração. Escreve Caminha:

 

E quando veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se

levantaram conosco e alçaram as mãos, ficando assim, até ser acabado; e então tornaram-se a

assentar como nós. E quando levantaram a Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim todos, como nós estávamos com as mãos levantadas, e em tal maneira sossegados, que, certifico a Vossa Alteza, nos fez muita devoção.

 

O Brasil nasceu nesta convivência pacífica ao contrário dos espanhóis que dizimaram a civilização Inca no Peru, e os astecas no México.

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